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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O Renascimento da Administração



Em nenhuma outra época da humanidade houve um fluxo tão grande e tão intenso de produção artística e de surgimento de gênios quanto o período conhecido como Renascença, que teve na pequena Florença o seu epicentro.
O que explica o desencadeamento de um potencial criativo praticamente infinito que, mesmo séculos mais tarde, ainda não fomos capazes de reproduzir ou muito menos superar? Quais os métodos adotados pelos mestres renascentistas em seus processos criativos e no desenvolvimento de suas habilidades? E o melhor: o que isso tem a ver com Administração?
Em 1997, David Banks, estatístico da Universidade Carnegie Mellon, escreveu um breve artigo intitulado The problem of excess genius (O problema do excesso de genialidade). Banks observou que os gênios não se distribuem uniformemente no tempo e no espaço. A história da humanidade está marcada, justamente, pela concentração de gênios em determinados períodos e localidades especiais: Atenas, entre 440 a 380 a.C., Florença, de 1440 a 1490 e Londres entre 1570 a 1640, sendo o período florentino o mais produtivo - e o mais intrigante.

Daniel Coyle resgata essa questão no brilhante livro O código do talento, e elenca as razões normalmente utilizadas para explicar como uma cidade com menos de 50 mil habitantes (algo como Campos do Jordão dos dias de hoje) conseguiu, em apenas meio século, fazer surgir dezenas de gênios: prosperidade, paz, liberdade, mobilidade social e paradigma cultural. Apesar de plausíveis, é difícil acreditar que apenas a convergência desses fatores justifique o sucesso renascentista. Inclusive, vários desses pontos são desmentidos pelos registros históricos, o que ainda nos deixa sem resposta. Escreve o autor: “a Florença quatrocentista não era excepcionalmente próspera, nem pacífica, tampouco oferecia mais liberdade que outros lugares”.  Pronto para desvendar o mistério? 

A criação da genialidade

O boom artístico florentino se explica por uma poderosa invenção social: as guildas. Talvez você não se recorde muito bem de suas aulas de História do colégio, por isso vou explicar. Guildas eram associações de artistas (tecelões, pintores, ourives, artesãos, entre outros), que se organizavam para regular a concorrência e controlar a qualidade de suas produções. Verdadeiras empresas, essas organizações contavam com uma administração, taxas e regras bem estabelecidas sobre quem poderia exercer determinado ofício. A razão de seu sucesso era um sistema de formação de aprendizes. Meninos por volta dos sete anos de idade passavam a morar com os seus mestres por períodos de cinco ou dez anos. Uma verdadeira estufa de treinamento profundo.  

Todos os gênios renascentistas tiveram seus mestres. Leonardo da Vinci foi discípulo de Andrea Verrocchio, Verrocchio estudou sob a supervisão de Donatello (não, não é a tartaruga ninja), Donatello sob a de Ghiberti, e assim por diante. Por milhares de horas, esses aprendizes estudavam o ofício por completo, na prática, da mistura de tintas e preparo das telas à execução de verdadeiras obras-primas, um sistema calcado na produção sistemática de excelência. Coyle compara essa experiência à de um estagiário de 12 anos de idade que passasse uma década sob a supervisão de Steven Spielberg - “o fato de esse estagiário um dia virar um grande diretor de cinema não seria nenhuma surpresa, mas algo quase inevitável”.

Beleza, você pode computar o talento singular de um Da Vinci a alguma bênção divina - ou, como sugere um famoso programa do History Chanel, à influência de extraterrestres. O cara era realmente excepcional. Mas teria o jovem Leonardo despertado a sua genialidade caso não tivesse a oportunidade de ter sido aprendiz de Verrochio, outro gênio (porém não tão famoso)? E, se houvesse nascido em nosso tempo, teria o potencial único de Da Vinci sobrevivido ao nosso sistema educacional, à rotina estressante e banal imposta pelos pais de hoje, aos valores de nossa sociedade, às mensagens do WhatsApp e à frivolidade do Facebook? Tenho minhas dúvidas. 

Michael Gellb, autor de How to think like Leonardo da Vinci, coloca uma questão mais pragmática e pertinente: os fundamentos renascentistas de aprendizagem e cultivo da inteligência podem ser aplicados para nos inspirar e guiar à realização de todo o nosso potencial? A resposta é sim. Tais princípios podem ser estudados, emulados e, perfeitamente, aplicados. Podem não nos tornar gênios, mas com certeza nos conduzirão em uma jornada que nos tornará melhores do que já somos. 

Administradores renascentistas

Tomemos o exemplo da Administração, maior carreira universitária do país. 

A Administração é um curso superior levado a cabo entre quatro a cinco anos nos bancos universitários. Algumas instituições são reconhecidas pela qualidade ímpar de seu ensino, mas a maior parte delas navega na média, e um número inaceitável fica abaixo da crítica. Para se ter uma ideia precisa desse panorama, no último ENADE, pouco mais de 6% dos cursos obtiveram a nota máxima (5); 13,8% obtiveram nota 4; 43,2% registraram nota 3 (que é o mínimo para o curso ser considerado como “satisfatório”), e o restante, pasmem, conseguiu tirar nota 2 ou 1, representando praticamente 36% das nossas faculdades. 

Independente da qualidade da instituição de ensino, o tempo em que o futuro administrador passa em seu processo de formação é subaproveitado. Apenas escutar o professor em sala de aula e ler suas apostilas em véspera de prova não é o suficiente para formar um administrador. Meus caros, isso é enganação. Tal qual a formação de um artista renascentista, o nosso aprendizado deve ser também essencialmente prático. O gap entre a teoria e a prática não deve ser suprido apenas após a formatura. No momento em que se coloca os pés em sala de aula, do primeiro ao último período da faculdade, deve ser proporcionado ao estudante de Administração a chance de praticar o objeto de seu estudo. A experiência é a fonte da sabedoria. 

A exigência do estágio, por exemplo, dá-se comumente nos últimos períodos do curso. Por quê? É um absurdo subestimar a capacidade dos estudantes mais novos. Imaginem se todo calouro de Administração tivesse a oportunidade de ingressar na faculdade e, ao mesmo tempo, desenvolver alguma espécie de trabalho voluntário em uma organização do terceiro setor. Isso é algo que pode ser facilmente articulado entre a instituição de ensino e ONGs sérias. O mesmo pode ser feito com empresas. Tragam as empresas para dentro do ambiente acadêmico. O Brasil conta atualmente com quase 13 milhões de empreendimentos. Permitam que os alunos se aproximem desse universo e contribuam com o seu avanço. Ganha o aluno, ganha a organização, a instituição de ensino e, o mais importante, ganha a sociedade. Não é esse o sentido maior de tudo isso?

Os cursos de Administração devem ser as guildas dos futuros administradores, um ambiente de treinamento profundo, onde não apenas a teoria faz parte da formação, mas, sobretudo a prática incessante supervisionada por mestres talentosos, rigorosos e exigentes. Condescendência e excelência não combinam. À frente de uma sala de aula, o professor deve inspirar seus alunos a darem o seu melhor, mas deve ser exigente na mesma medida. Deve propor desafios por uma busca jamais satisfeita pela excelência. Nada menos que isso importa. Estou seguro de que esse modelo impulsionará os nossos jovens a irem muito além do que eles mesmos pensam que são capazes. Esse é o caminho para que libertem todo o seu potencial criativo e desenvolvam com maestria a sua capacidade de levar nossas organizações adiante. Esse é o caminho para o Renascimento da Administração. 


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