“Não basta saber, é preciso
também aplicar;não basta querer, é preciso também agir.”(Goethe)
Pobreza, miséria, exclusão
econômica. Desemprego, analfabetismo funcional, exclusão social. Violência.
Somos especialistas em
diagnóstico. Temos a capacidade singular de identificar os males que afligem
nosso país. Mapeá-los. Catalogá-los. Fazer estatísticas e promover palestras,
seminários, simpósios, dissertações, teses e livros.
Após mais de duas décadas de
abertura política continuamos reféns do Estado. Depositamos no governo todas as
esperanças de uma nação mais justa e equilibrada. O Estado assume este papel
etéreo de grande juiz e regulador responsável pela busca do equilíbrio.
Então, passamos a viver uma
dicotomia. Ora assumimos que o Estado quebrou, mesmo batendo recordes de
arrecadação, ainda assim insuficientes para equilibrar as contas públicas.
Enquanto o déficit de transações correntes não for equacionado, enquanto não reduzirmos
nossa dependência do capital estrangeiro, enquanto a inflação não estiver sob
controle, não poderemos implementar políticas públicas de âmbito social para
reduzir as disparidades e desigualdades na distribuição de renda.
Assim, passamos a assumir
uma nova retórica: a do Terceiro Setor. Tornamo-nos todos assistencialistas. Do
sofá de nossa casa assistimos na TV à grande festa dos artistas em favor de
iniciativas como Teleton ou Criança Esperança. Pegamos o telefone, discamos
alguns números, fazemos uma doação pecuniária que será debitada oportunamente
em nossa conta telefônica e, com isso, amainamos nosso sentimento de culpa.
Praticamos esta catarse e voltamos ao nosso copo de uísque. Sentimo-nos
cidadãos no exercício da cidadania. Praticamos indulgência moral.
Outros se acastelam em seus
escritórios. Reúnem-se em grupos e resolvem constituir uma entidade sem fins
lucrativos batizada de Organização não Governamental (ONG). A reboque da
inspiração romântica de um Greenpeace, fundam estas entidades e começam uma
busca caça-níqueis incessante em defesa de um grupo ou um interesse específico.
Muitas têm caráter
relevante. Outras simplesmente não têm caráter. Algumas têm estatuto,
princípios, objetivos e metas. Outras se esquivam ao término da primeira ação
porque aquela coleta de algumas centenas de quilos de alimentos não perecíveis
será suficiente para justificar o mea culpa por longos e longos
meses.
Vários entusiastas assumem
papéis típicos dos grandes mártires. Geniosos e utópicos, acreditam-se capazes
de mobilizar e mudar o mundo. Bradam contra a globalização, contra o
imperialismo norte-americano, contra o capital especulativo internacional, como
se fosse possível ignorar e negar tais fatos.
E brigam entre si, numa
autofagia presunçosa, como se faltassem miseráveis para serem assistidos.
Julgam como absurdo o Reino Unido apoiar os americanos em seu ataque ao Iraque,
mas não conseguem convergir seus interesses tão comuns porque estão muito
preocupados em saber quem será homenageado na entrega do “Prêmio Blá-Blá-Blá”.
Enquanto isso há os que
executam uma revolução silenciosa. Aqueles com a nobreza de visão de enxergar
em escala reduzida. Pessoas que antes de reclamarem da sujeira exposta nas ruas
resolvem varrer calçada e meio-fio em frente à própria residência. Pais que
orientam os filhos sobre o perigo e a insanidade das drogas antes de clamarem
por ações incisivas por parte da segurança pública. Profissionais que doam uma
hora semanal de suas vidas para colocar um nariz de palhaço e fazer uma criança
com leucemia sorrir ou que palestram para jovens numa escola pública para
levar-lhes a esperança.
Empreendedores que capacitam seus próprios empregados,
que visitam suas residências e avaliam as condições em que moram.
É claro que estamos diante
de uma situação que margeia o risco de rompimento do tecido social. É evidente
que esperamos do gestor público maior eficiência e transparência na aplicação
de nossos recursos. É óbvio que continuamos a olhar para os dois lados da rua
antes de atravessá-la, e para adiante e atrás a fim de avaliar quem de nós se
aproxima.
Mas podemos – e devemos – de
posse de nosso patrimônio cultural, semear a prática da solidariedade, como uma
atividade de nosso cotidiano, inserida em nossas agendas, como conteúdo
programático. Não necessitamos esperar a chegada do próximo Natal para nos
preocuparmos com a questão da fome. Não precisamos aguardar o advento do
inverno para nos sensibilizarmos com o problema do frio. Atitudes
admiráveis, honrosas, estão ao nosso alcance agora. Basta cultivarmos e
disseminarmos certos comportamentos como profissão de fé.
Ao contrário do que se
apregoa, não vivemos num mundo de escassez, mas de abundância. O que existe é
suficiente para todos nós e o ganho de uma pessoa não precisa ser a perda de
outra. Por isso, livre-se dos excessos. Doe o que não lhe apresenta mais
utilidade – roupas, calçados, livros, brinquedos. Doe seu tempo, apenas uma
fração dele, em favor de sua comunidade, no uso de seus melhores atributos, de
seu ofício. Leia para um idoso, brinque com uma criança, converse com um
enfermo. Pinte uma parede de escola, conserte um portão de um posto de saúde. E
acima de tudo, compartilhe seu conhecimento.
Não é preciso ir longe.
Comece pelo seu bairro, sua rua, seu condomínio. Ou mesmo pelo seu quintal.
Começar já é metade de toda a ação. Difundir a prática poderá ser a outra
metade.
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