Em nenhuma outra época da
humanidade houve um fluxo tão grande e tão intenso de produção artística e de
surgimento de gênios quanto o período conhecido como Renascença, que teve na
pequena Florença o seu epicentro.
O que explica o desencadeamento de um
potencial criativo praticamente infinito que, mesmo séculos mais tarde, ainda
não fomos capazes de reproduzir ou muito menos superar? Quais os métodos
adotados pelos mestres renascentistas em seus processos criativos e no
desenvolvimento de suas habilidades? E o melhor: o que isso tem a ver com
Administração?
Em 1997, David Banks,
estatístico da Universidade Carnegie Mellon, escreveu um breve artigo
intitulado The problem of excess genius (O problema do excesso de
genialidade). Banks observou que os gênios não se distribuem uniformemente no
tempo e no espaço. A história da humanidade está marcada, justamente, pela
concentração de gênios em determinados períodos e localidades especiais:
Atenas, entre 440 a 380 a.C., Florença, de 1440 a 1490 e Londres entre 1570 a
1640, sendo o período florentino o mais produtivo - e o mais intrigante.
Daniel Coyle resgata essa
questão no brilhante livro O código do talento, e elenca as razões normalmente
utilizadas para explicar como uma cidade com menos de 50 mil habitantes (algo
como Campos do Jordão dos dias de hoje) conseguiu, em apenas meio século, fazer
surgir dezenas de gênios: prosperidade, paz, liberdade, mobilidade social e
paradigma cultural. Apesar de plausíveis, é difícil acreditar que apenas a
convergência desses fatores justifique o sucesso renascentista. Inclusive,
vários desses pontos são desmentidos pelos registros históricos, o que ainda
nos deixa sem resposta. Escreve o autor: “a Florença quatrocentista não era
excepcionalmente próspera, nem pacífica, tampouco oferecia mais liberdade que
outros lugares”. Pronto para desvendar o mistério?
A criação da genialidade
O boom artístico florentino
se explica por uma poderosa invenção social: as guildas. Talvez você não se
recorde muito bem de suas aulas de História do colégio, por isso vou explicar.
Guildas eram associações de artistas (tecelões, pintores, ourives, artesãos,
entre outros), que se organizavam para regular a concorrência e controlar a
qualidade de suas produções. Verdadeiras empresas, essas organizações contavam
com uma administração, taxas e regras bem estabelecidas sobre quem poderia
exercer determinado ofício. A razão de seu sucesso era um sistema de formação
de aprendizes. Meninos por volta dos sete anos de idade passavam a morar com os
seus mestres por períodos de cinco ou dez anos. Uma verdadeira estufa de
treinamento profundo.
Todos os gênios
renascentistas tiveram seus mestres. Leonardo da Vinci foi discípulo de Andrea
Verrocchio, Verrocchio estudou sob a supervisão de Donatello (não, não é a
tartaruga ninja), Donatello sob a de Ghiberti, e assim por diante. Por milhares
de horas, esses aprendizes estudavam o ofício por completo, na prática, da
mistura de tintas e preparo das telas à execução de verdadeiras obras-primas,
um sistema calcado na produção sistemática de excelência. Coyle compara essa
experiência à de um estagiário de 12 anos de idade que passasse uma década sob
a supervisão de Steven Spielberg - “o fato de esse estagiário um dia virar um
grande diretor de cinema não seria nenhuma surpresa, mas algo quase inevitável”.
Beleza, você pode computar o
talento singular de um Da Vinci a alguma bênção divina - ou, como sugere um
famoso programa do History Chanel, à influência de extraterrestres. O cara
era realmente excepcional. Mas teria o jovem Leonardo despertado a sua
genialidade caso não tivesse a oportunidade de ter sido aprendiz de Verrochio,
outro gênio (porém não tão famoso)? E, se houvesse nascido em nosso tempo,
teria o potencial único de Da Vinci sobrevivido ao nosso sistema educacional, à
rotina estressante e banal imposta pelos pais de hoje, aos valores de nossa
sociedade, às mensagens do WhatsApp e à frivolidade do Facebook? Tenho minhas
dúvidas.
Michael Gellb, autor de How
to think like Leonardo da Vinci, coloca uma questão mais pragmática e
pertinente: os fundamentos renascentistas de aprendizagem e cultivo da
inteligência podem ser aplicados para nos inspirar e guiar à realização de todo
o nosso potencial? A resposta é sim. Tais princípios podem ser estudados,
emulados e, perfeitamente, aplicados. Podem não nos tornar gênios, mas com
certeza nos conduzirão em uma jornada que nos tornará melhores do que já
somos.
Administradores renascentistas
Tomemos o exemplo da
Administração, maior carreira universitária do país.
A Administração é um curso
superior levado a cabo entre quatro a cinco anos nos bancos universitários.
Algumas instituições são reconhecidas pela qualidade ímpar de seu ensino, mas a
maior parte delas navega na média, e um número inaceitável fica abaixo da
crítica. Para se ter uma ideia precisa desse panorama, no último ENADE, pouco
mais de 6% dos cursos obtiveram a nota máxima (5); 13,8% obtiveram nota 4;
43,2% registraram nota 3 (que é o mínimo para o curso ser considerado como
“satisfatório”), e o restante, pasmem, conseguiu tirar nota 2 ou 1,
representando praticamente 36% das nossas faculdades.
Independente da qualidade da
instituição de ensino, o tempo em que o futuro administrador passa em seu
processo de formação é subaproveitado. Apenas escutar o professor em sala de
aula e ler suas apostilas em véspera de prova não é o suficiente para formar um
administrador. Meus caros, isso é enganação. Tal qual a formação de um artista
renascentista, o nosso aprendizado deve ser também essencialmente prático. O
gap entre a teoria e a prática não deve ser suprido apenas após a formatura. No
momento em que se coloca os pés em sala de aula, do primeiro ao último período
da faculdade, deve ser proporcionado ao estudante de Administração a chance de
praticar o objeto de seu estudo. A experiência é a fonte da sabedoria.
A exigência do estágio, por
exemplo, dá-se comumente nos últimos períodos do curso. Por quê? É um absurdo
subestimar a capacidade dos estudantes mais novos. Imaginem se todo calouro de
Administração tivesse a oportunidade de ingressar na faculdade e, ao mesmo
tempo, desenvolver alguma espécie de trabalho voluntário em uma organização do
terceiro setor. Isso é algo que pode ser facilmente articulado entre a
instituição de ensino e ONGs sérias. O mesmo pode ser feito com empresas.
Tragam as empresas para dentro do ambiente acadêmico. O Brasil conta atualmente
com quase 13 milhões de empreendimentos. Permitam que os alunos se aproximem
desse universo e contribuam com o seu avanço. Ganha o aluno, ganha a organização,
a instituição de ensino e, o mais importante, ganha a sociedade. Não é esse o
sentido maior de tudo isso?
Os cursos de Administração
devem ser as guildas dos futuros administradores, um ambiente de treinamento
profundo, onde não apenas a teoria faz parte da formação, mas, sobretudo a
prática incessante supervisionada por mestres talentosos, rigorosos e
exigentes. Condescendência e excelência não combinam. À frente de uma sala de
aula, o professor deve inspirar seus alunos a darem o seu melhor, mas deve ser
exigente na mesma medida. Deve propor desafios por uma busca jamais satisfeita
pela excelência. Nada menos que isso importa. Estou seguro de que esse modelo
impulsionará os nossos jovens a irem muito além do que eles mesmos pensam que
são capazes. Esse é o caminho para que libertem todo o seu potencial criativo e
desenvolvam com maestria a sua capacidade de levar nossas organizações adiante.
Esse é o caminho para o Renascimento da Administração.
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