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quarta-feira, 29 de junho de 2011

" E tudo mudou". De Luiz Fernando Veríssimo



"...Os halteres viraram bomba
A ergométrica virou spinning

A tanga virou fio dental
E o fio dental virou anti-séptico bucal..."

A estrofe acima é parte do poema "E Tudo Mudou" de Luís Fernando Veríssimo. Retrata sutilmente os modismos e as mudanças de hábitos, com uma acirrada crítica a uma sociedade que se tornou incapaz de tudo, inclusive de notar qualquer uma das diferenças citadas. Isso demonstra como somos facilmente manipulados em nossos hábitos de consumo. Não há criticidade diante do que o mercado nos oferece e o novo tem sempre a promessa de superação ao antigo sem questionarmos se de fato é realmente melhor.


Minha mãe tem a mesma máquina de lavar por anos. De vez em quando ao dar algum problema, basta trocar peças simples como a mangueira e tudo se resolve. Anos atrás fui seduzida a comprar uma máquina nova moderníssima. Elegante, painel eletrônico, várias opções de ciclos de lavagem, tudo um luxo. Ela funcionou muito bem por um ano, até que uma das funções básicas – a centrifugação – parou de funcionar. Para meu azar, a garantia tinha acabado de expirar. Sem opções chamei um técnico e levei tamanho susto ao ver o orçamento para o conserto. Era quase o valor total da máquina. Ao questionar o preço exorbitante, a resposta do técnico: o problema era uma falha no painel elétrico e nesses casos a única solução era trocar o painel todo. Na hora da compra, esses detalhes técnicos não nos passam pela cabeça, ficamos fascinados pelos apelos das diversas mídias.

Ao assistirmos os comerciais dos anti-sépticos bucais, a impressão que temos é que para se combater o mau hálito basta enxaguar a boca e tudo ficará bem, mas em nenhum momento se alerta para o fato de que o álcool utilizado na fórmula da maioria destes produtos é prejudicial à saúde bucal. Segundo pesquisas, a escovação com creme dental e o uso do fio dental regularmente são suficientes para não se ter mau hálito. Se isso não resolve é um sinal de que alguma parte do corpo não está bem. Nos banheiros vemos pessoas após as refeições usarem os enxagüantes bucais, mas são raros os que usam fio dental, o instrumento mais importante para a higienização. Assim, prioriza-se o que não é essencial em detrimento do que é mais simples e eficaz.

Em nosso cotidiano há uma série de exemplos em que agimos da mesma forma. Sobretudo no trabalho e em nossas funções gerenciais. Somos bombardeados diariamente com uma variedade de novas teorias administrativas e práticas de gestão que até nos sentimos perdidos diante de tantas opções de seminários, palestras, receitas de bolo, livros técnicos etc. Na economia existe a necessidade do empresariado renovar produtos e processos com algum diferencial para garantir seu espaço no mercado, mas às vezes se chega a soluções questionáveis. Na empresa também nem sempre as boas práticas de gestão são aquelas que surgem imbuídas pelo manto da inovação.
Recordo-me do lançamento de um papel higiênico com vitamina E que prometia trazer mais maciez à pele com seu uso constante, porém o tempo de contato da pele com o papel é insuficiente para que se possa absorver qualquer traço da vitamina. O resultado era o mesmo e pagava-se mais caro pela marca.
A cada dia chegam centenas de idéias mirabolantes nas empresas dos meus clientes e quase todas elas com a função do papel higiênico. Precisamos distinguir inovação de invenção.


Somos nós consumidores e administradores os responsáveis pela última etapa do ciclo. Seja a compra ou a implementação de idéias. Portanto, é preciso criticidade. Tenho relido autores do século passado, como por exemplo, Shumpeter, e concluído que o que percebemos hoje como inovador já estava escrito.

Não incentivo a mesmice , mas admiro  a postura de escuta, o desejo incessante de busca pelo novo, a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos e soluções numa era cada vez mais revolucionária, mas é preciso o olhar de sutileza para perceber que nem tudo mudou, contrariando Veríssimo.

Fonte: administradores.com.br

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